Os programas de milhagem ou fidelidade aérea foram criados a fim de gerar recompensas aos viajantes frequentes, sendo esses primariamente composto pelos viajantes a negócio. Por que o foco foi os viajantes a negócios? Porque normalmente os executivos acabam por realizar um número muito grande de viagens durante o ano, além de adquirirem passagens pagando tarifas mais altas, já que precisam de flexibilidade de datas e horários e a possibilidade de reembolso. Como normalmente quem paga a passagem desses executivos são as empresas para as quais eles trabalham, os programas de fidelidade vêem os executivos, aqueles que acumulam as milhas (não as empresas) e as usam geralmente para seu lazer, como uma fonte de influência junto aos seus principais e mais lucrativos consumidores, as empresas. Você sabia que as passagens vendidas para a Primeira Classe e para a Classe Executiva são as principais fontes de lucro de um vôo internacional?
Já a média dos viajantes, principalmente aqueles viajam a lazer, nunca foram o alvo principal desses programas. Com o passar do tempo, as cias aéreas notaram que seus programas de fidelidade poderiam ser um chamariz também para esses viajantes, que almejavam os benefícios dados aos seus associados. O uso dos programas de milhagem como ferramenta de propaganda é sempre enfatizado nos períodos de recessão vividos pelas cias aéreas e relegado a um plano menos importante nos períodos mais lucrativos. Algumas cias têm transformado seus programas de milhagem em empresas lucrativas devido à venda de milhas a seus parceiros não aéreos (bancos, hotéis, administradoras de cartões de crédito etc) que, dessa forma, podem premiar seus consumidores com algumas milhas que aos olhos dos mesmos podem ser encaradas como os primeiros passos em direção a uma viagem de sonho.
Nos EUA, principalmente, o hábito de acumular milhas atingiu em cheio o coração e o bolso de vários americanos, sendo que alguns se tornaram participantes do que lá é chamado de Mileage Run. São pessoas que estão sempre procurando acumular milhas pelo menor custo possível, nem que seja necessário fazer 10 vôos de curta duração em um único dia. Eles acreditam que qualquer milha acumulada por um custo inferior a 0,03 USD vale a pena. Estão à procura de promoções em parceiros aéreos e não aéreos e em rotas que permitam acúmulo de milhas bônus.
Os viajantes que realizam vários vôos durante o ano ou aqueles que realizam poucos vôos de longa duração, sendo os mesmos custeados por outro que não ele, são os maiores beneficiados dos programas de fidelidade.
Do lado oposto, ficam os viajantes que realizam poucas viagens ao ano e principalmente de curta duração. Esses são pouco ou nada beneficiados por esses programas de fidelidade. Caso paguem por esses vôos, acabam por pagar mais por passagens ou serviços que permitam acúmulo de milhas que nunca chegam ao mínimo necessário para emitir uma passagem prêmio e acabam perdendo sua validade.
No meio, fica o grupo de viajantes que realizam um grande número de vôos ou um número reduzido de vôos de longa duração custeados com recursos próprios. Nesse grupo, a decisão de associar-se a um programa de milhagem e optar por acumular milhas em vôos, cartões de crédito e outros parceiros é uma decisão muito mais difícil do que parece.
Por quê? Porque em um extremo, quando alguém se associa a um programa de milhagem com a intenção primária, e às vezes cega, de otimizar ao máximo o acúmulo de milhas e convertê-las em viagens prêmio, além de progredir para um nível mais alto em seu programa de milhagem, ele indiretamente toma também as seguintes decisões:
1 De dar preferência a vôos das cias parceiras de seu programa de fidelidade e de optar por tarifas que permitem acúmulo de milhas em sua conta. Essa decisão o afasta, muitas vezes, de conhecer o serviço de outras cias não parceiras ao programa ao qual se associou, que podem, inclusive, prestar um serviço melhor ou ter tarifas para determinadas rotas inferiores às das cias que compõe seu programa de fidelidade. O impede ainda de comprar tarifas superpromocionais, que não permitem o acúmulo de milhas. Resultado: limita suas opções e pode-se pagar mais caro por isso.
2 De associar-se a um cartão de crédito que permita o acúmulo de milhas em seu programa de fidelidade, o que geralmente é associado a uma anuidade mais elevada nesses cartões. Algumas vezes acaba-se por optar por pagar as despesas ou compras com cartão de crédito mesmo nos momentos em que há um desconto para o pagamento com dinheiro, cartão de débito ou cheque.
3 Quase te obriga a manter uma certa frequencia de vôos anuais nas cias parceiras, a fim de manter suas milhas acumuladas ou atingir o número de milhas necessárias para a emissão de uma passagem prêmio ou mesmo para alcançar ou manter um status elite dentro do programa.
4 Obriga ainda, o associado a ser mais organizado, a fim de planejar seu acúmulo de milhas e o gasto das mesmas, de forma que não venha a perdê-las por ter expirado o tempo para usá-las ou mesmo emitir uma passagem prêmio usando uma quantidade de milhas que poderiam ser usadas na emissão de uma outra passagem para um destino com uma relação custo/benefício melhor.
Custo sim! Apesar de parecer inicialmente que ganhamos as milhas como um brinde, na verdade pagamos por ela um certo valor. Esse valor poderia ser calculado pela diferença entre uma passagem que permite acúmulo de milhagem e outra que não permite esse acúmulo, sendo que as duas teriam regras semelhantes. Outra forma de determinar o custo das mesmas, um pouco mais complexa, é calculando-se quantas passagens gerando milhas seriam necessárias para acumular milhas suficientes para emitir uma passagem prêmio igual, usando a tabela do seu programa de fidelidade.
Número de passagens = Milhas necessárias para emitir passagem igual / Milhas ganhas em cada passagem
Divide-se o preço cobrado pela tarifa pelo número de passagens necessárias para a emissão da passagem prêmio calculado conforme descrito acima. O resultado será o valor que você “estaria pagando a mais” em cada passagem para ter direito a emitir uma passagem prêmio, normalmente cheia de restrições, no futuro.
Valor “pago a mais” = Valor cobrado pela tarifa / número de passagens necessárias
Caso você consiga uma outra passagem com uma tarifa de valor substancialmente inferior ao valor resultante da subtração desse valor “a mais” do preço cobrado pela tarifa que permite acumular milhas no seu programa, a opção pelo acúmulo de milhas deixa de ser interessante financeiramente. Mas se seu foco é o status elite, lembre-se o quanto você está pagando por ele.
Veja a tabela abaixo: Para ampliar a tabela, click aqui !
Algumas conclusões podem ser tiradas dos dados contidos na mesma:
A) Quanto mais distante a passagem te leva e por conseguinte mais milhas se acumula em seu programa de fidelidade, mais baixo é o preço que se “paga a mais” pelas milhas e portanto mais vantajoso é seu acúmulo. Viagens curtas perdem muito desse atrativo quando comparadas com as de longa distância, mesmo quando se é beneficiado pelas promoções que permitem acumular no mínimo 1000 milhas/pontos por trecho voado. Mas lembre-se, que uma viagem de média distância pode ser formada de vários trechos que acumulam no mínimo 1000 pontos/milhas podendo dessa forma inverter sua desvantagem, apesar de piorar em muito o conforto do viajante. Por exemplo, posso ir de São Paulo a Fortaleza direto ou passar por Belo Horizonte, Salvador e Recife. Serão 2000 milhas contra 6000 milhas acumuladas em passagens de ida e volta. Não recomendo, a não ser que tenha ficado empolgado com a história do Mileage Run.
B) Quanto mais elevado seu status em um programa de fidelidade, mais benefícios ele lhe traz. Ele potencializa seu acúmulo de milhas através das milhas bônus, dadas principalmente em vôos próprios das proprietárias dos programas de fidelidade e algumas parceiras.
C) O cartão de crédito, que permite acúmulos de milhas, principalmente se você não paga anuidade, tem um volume alto e constante de gastos nele e que tenha um programa de acúmulo de milhas com bons múltiplos por dólar gasto ou milhas bônus ou ainda bons prazos de validade das milhas acumuladas, pode ser um importante aliado para alcançar sua passagem prêmio. Mas geralmente não auxilia na progressão de nível dentro do programa, pois suas milhas não são computadas para esse efeito. Caso você não tenha controle de seus gastos ou opte por financiar suas compras usando as taxas do cartão de crédito, esqueça o que eu falei, pois ele pode acabar por inviabilizar a sua próxima viagem!
No outro extremo, está aquele viajante que tem um leve interesse em acumular milhas, mas é relapso quanto aos custos e prazos associados com as mesmas. Mas de que valem essas milhas, se não são administradas de uma forma mais consciente? Não são raros aqueles vivem a perder milhas acumuladas, seja por descuido, desconhecimento das regras do programa ao qual é associado ou mesmo desinteresse momentâneo. Essas pessoas seriam muito mais beneficiadas se optassem sempre por passagens mais baratas, dentro das suas necessidades, por cartões de crédito com anuidades inferiores ou com programa de prêmios em que os pontos acumulados nunca expirassem.
Portanto, o tema milhas e seu custo/benefício é complexo, e posso estar enganado, mas acredito que as cias tem interesse nisso, já que a desinformação pode levar ao viajante a pagar por milhas ou escolher uma tarifa que permita o acúmulo de milhas, que ele nunca vai ter a oportunidade ou interesse de usar, motivados por uma vontade passageiro ou iludido pela idéia emitir uma passagem de graça no futuro.
Concluo com uma frase que já utilizei antes: Milhas Aéreas, não se deixe embriagar, aprecie com moderação.